“Reze para que seja menino”, é a frase que encerra o livro Reze pelas mulheres roubadas, de Jennifer Clement. Revelá-la não é nenhum spoiler, pois isso vêm à mente diversas vezes durante a leitura. A obra ficcional, infelizmente, se ampara na realidade mexicana de mulheres que são sequestradas para servirem a narcotraficantes ou traficantes de pessoas para exploração sexual.

Numa pesquisa rápida pelo Google por algumas reportagens, é desolador deparar-se com o fato de que muitas vítimas esperam por este destino na exata medida que a história do livro reflete, o que é chocante, no mínimo.
Outra obra mexicana hábil em produzir desconfortos apontando a violência cotidiana é Temporada de Furacões, de Fernanda Melchor. A história de Norma, uma menina de treze anos que interessa ali, é só um recorte dos muitos vieses de violência que o livro escancara.

A personagem é uma filha da falta: o pai que não veio, a mãe que não podia estar, os irmãos que estavam mas partiram por falta de calor e de alimento e o afeto que nunca veio. Todas essas ausências moldaram um ser humano incompleto, com uma existência cheia de lacunas. Norma é uma menina de treze anos abusada por Pepe, seu padrasto, que a violenta usando a maior das carências da menina, atenção.
O doloroso neste caso, além do fato da menina abusada, é que ela se sente culpada pelo próprio infortúnio, afinal ela gostava da atenção recebida do padrasto, algo inédito na sua coleção de misérias. Ao ver-se grávida ela foge, repleta de culpa pela traição à mãe.
Ao nascerem em regiões mexicanas onde o Estado não chega, seja porque o crime domina e coopta agentes de segurança e políticos, seja porque o modelo econômico perpetua misérias, o caso é que essas mulheres estão condenadas por serem mulheres. Esta triste realidade que submete tantas latinas mostra como é incipiente para o feminismo celebrar o poder, sucesso e discurso de tantas, se com isso não se resgata e muda a realidade de mulheres como as mexicanas destas histórias.
É importante naturalizar a sexualidade feminina, é importante celebrar mulheres que ascendem a espaços de poder, é importante que existam “Beyoncés”. Mas é inadiável que a sociedade dê humanidade para todas as mulheres. Há uma naturalização da violência contra a mulher e quem consegue enxergar além do pop tem uma grande responsabilidade para tornar concreta essa mudança.
Autora

Monique Bonomini é de Poá/SP e tem graduação em Direito e História.
Atua como revisora e leitora crítica e dedica-se ao estudo do feminismo. Apaixonada por livros, mantém sua página no Instagram com impressões de leitura.
No Medium publica outros textos autorais. Publicou um desafio no livro Vida de Escritor, lançado pela Lura Editorial em 2021 e tem um conto na coletânea Um conto de tudo, lançado em 2022 pela Têmpora Criativa.
Nas redes: @moniquebonomini
Site: linktr.ee/moniquebonomini
Texto incrível! Um assunto altamente necessário por mais que seja difícil abordá-lo!
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Às vezes a gente adia tocar em certos aspectos, mas senti que o texto veio na hora certa. Muito obrigada pela leitura!
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Excelente texto como de costume.
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🤗
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