Certamente há uma gigante vivendo entre nós, ela é verde, úmida e descrevê-la em números é assombroso. São mais de 6 milhões de quilômetros quadrados de extensão abrigando, só de plantas, cerca de 30 mil espécies ao longo de 9 países diferentes.
Talvez alguém de humanas, como eu, tenha dificuldade em realizar tais números. Para me localizar uso como referência a cidade onde moro, que se estende por dezessete mil quilômetros quadrados. Em 6 milhões de quilômetros cabem mais de 350 cidades como essa! E pensar que, apesar de ser onde moro há mais de trinta anos, ainda não a conheço por completo.
Mas isto é apenas um vislumbre da magnitude desta gigante, já que por ela serpenteia a maior bacia hidrográfica do planeta, sendo a estrela desta bacia o Rio Amazonas. Na foz, a largura do rio é de 320 quilômetros, sendo que sua largura média é de 12 quilômetros. Porém, em muitos trechos 60 quilômetros separam uma margem da outra, e estes são dados apenas da largura.
Amazônia. Se o que pode ser visto a olho nu e mensurado já evidencia sua riqueza, o que dirá do que não está à mostra, do que está preservado sob o chão. É de fato uma gigante, mas ao contrário daquele da fábula de João e o pé de feijão, ela não está a salvo no céu, tampouco reluzem os ovos de ouro sob sua guarda.
Por estar aqui, ao rés do chão, está à mercê da humanidade, e costuma ser palco de algumas histórias bastante reais, e por isso talvez mais dramáticas do que a ficção poderia supor. Como aconteceu com Ingrid Betancourt, política colombiana sequestrada pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as FARC, que viveu mais de seis anos tendo a Amazônia por cativeiro.
As frondosas copas encobrindo o céu dificultavam a localização pelas estrelas e posição do sol. A densa mata revelava um terreno hostil, pois as constantes chuvas desmanchavam as trilhas. Os vários rios que atravessam a selva confundiam o senso de direção, além dos predadores: cobras, jaguatiricas, onças e mosquitos. Neste ambiente não só era quase impossível fugir, como também ser encontrada.
Para além dos conflitos que a fizeram refém e do martírio vivido, o livro Não há silêncio que não termine, lançado em 2010 pela Companhia das Letras, apresenta um lugar que muitos sequer carregam no imaginário, o interior da maior floresta tropical do mundo.

Já o livro Homens Invisíveis, do jornalista Leonencio Nossa, publicado pela Editora Record, narra a viagem de três meses e meio pelo território de povos desconhecidos da Amazônia nas terras altas do Vale do Javari, na fronteira do Brasil com o Peru e a Colômbia, que aconteceu em 2002.

Nesta área, que tem o tamanho de Portugal, viviam à época cerca de dezessete grupos sem contato com os não-índios. A expedição chefiada pelo sertanista Sydney Possuelo tinha a missão de demarcar o território para resguardar estas comunidades isoladas vivendo no coração da selva.
Imaginar que no século XXI, a que chamam de Era da Informação, quando a humanidade experimenta um nível de globalização e conexão entre os pontos mais longínquos do planeta de maneira inédita, seja possível existirem pessoas jamais contatadas por essa rede é tão impressionante quanto enigmático. Só um abrigo muito protegido permite isso, revelando o quanto ainda não sabemos sobre nossa própria casa, tal como eu não conheço toda minha cidade.
Além de trazer um contexto histórico dos conflitos na região, há alguns momentos muito interessantes neste livro reportagem, como o da construção do meio de transporte pela própria equipe, composta de indígenas que foram guias para a expedição, a comunicação entre eles e as comunidades que foram sendo encontradas pelo caminho, mostrando o quanto a influência urbana prejudica seu modo de vida e os torna reféns de necessidades que eles não tinham até que as apresentássemos, como, pasmem, o sal.
O relato também é feito de algumas passagens dramáticas, como a do desaparecimento de membros da expedição, atacados por zarabatanas, como aviso por parte dos isolados em claro sinal de advertência para que a expedição não seguisse adiante.
Tantos desafios de locomoção, de alimentação e sobrevivência ao penetrarem nestes lugares imaculados só mostram que nem todos os mistérios da floresta estão dados ao conhecimento de comuns e que a prudência pede que seja mantido assim.
Porém, a arrogância de alguns os leva a crer que aquele espaço, o imenso espaço descrito em números no começo deste texto, é terra de ninguém, já que são movidos pela ganância que de tudo pensa como tirar proveito.
O que estas mentes movidas por uma gana patológica de exploração não percebem é que uma gigante como esta não aceita ataques sem reagir. Aliás, ela já começou a retaliar. Afinal são os ditos estados ricos que mais sofrem com os rios flutuantes que ela deixa de mandar para as represas que abastecem com água os que vivem tão longe de lá, crentes de que nada têm a ver com a sua preservação.
Ela é poderosa demais para não desequilibrar esse jogo, sua destruição pode ser aproveitada a curto prazo por uns poucos, mas a natureza sempre encontra meios de punir quem não a respeita. E esta mira também está apontada para quem silencia diante dos ataques sofridos pelos que entregam sua vida para protegê-la.
João cortou o pé de feijão para que o gigante não descesse atrás dele, mas para nós não há saída. Já passou da hora de ter mais respeito e zelo pela floresta e por quem cuida dela, afinal ela é uma gigante entre nós.
Autora

Monique Bonomini é de Poá/SP e tem graduação em Direito e História.
Atua como revisora e leitora crítica e dedica-se ao estudo do feminismo. Apaixonada por livros, mantém sua página no Instagram com impressões de leitura.
No Medium publica outros textos autorais. Publicou um desafio no livro Vida de Escritor, lançado pela Lura Editorial em 2021 e tem um conto na coletânea Um conto de tudo, lançado em 2022 pela Têmpora Criativa.
Nas redes: @moniquebonomini
Site: linktr.ee/moniquebonomini
Excelente texto! Pensei no quão felizes sem nem supor os povos ditos “isolados” por não conhecerem o tamanho das desgraças deste mundo.
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Sim, e algumas destas comunidades se isolaram deliberadamente, é bem impressionante quando ele descreve o surgimento de um deles, como se ele atravessasse uma máquina do tempo para proteger sua comunidade, onde uma simples gripe pode trazer consequências devastadoras.
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