A paz que falta ao mundo

O cenário geopolítico está em constante transformação: estima-se que atualmente há em torno de trinta conflitos ocorrendo. O mundo vive num estado permanente de guerras que se arrastam em embates internos ou externos, alguns desde os anos 90, outros desde muito antes.

Para ilustrar essa afirmação, os conflitos na primeira guerra mundial ocasionaram a queda de vários impérios como o Alemão, Russo, Otomano e Austro-húngaro e a ascensão de novos países como Polônia, Finlândia, Lituânia, Tchecoslováquia e Iugoslávia, por exemplo.

Já ao final da segunda guerra mundial a Alemanha virou duas, e o mundo viu surgir a Guerra Fria, protagonizada por Estados Unidos e a então União Soviética que, apesar de não se enfrentarem frontalmente, mediam forças apoiando lados opostos em conflitos espalhados pelo mundo, como aconteceu entre as Coreias e no Afeganistão. E são destas regiões que vêm dois relatos sobre como a guerra impacta a vida das mulheres.

Em 9 de outubro de 2012, a menina de quinze anos Malala Yousafzai, foi alvo de um atentado Talebã em seu país, o Paquistão. Malala passou a incomodar o grupo fundamentalista ao defender publicamente seu direito e de outras meninas de estudar e, apesar de ter levado um tiro à queima-roupa na cabeça ela sobreviveu, conseguiu fugir para Inglaterra e se tornou um símbolo pelo direito à educação das mulheres no mundo inteiro.

Em pouco mais de 300 páginas no livro Eu sou Malala, assinado junto com Christina Lamb, publicado aqui pela Companhia das Letras em 2013, a autora conta um pouco sobre a cultura de seu país, sua rotina, como foi para seu povo a ascensão do grupo fundamentalista ao poder e como isso ameaçou seu direito de frequentar a escola já que ela tinha mais de dez anos, idade a partir da qual o grupo determina que as mulheres fiquem em casa.

Por sua vez, Yeonmi Park escreveu Para Poder Viver, lançado por aqui em 2016, também pela Companhia das Letras. Antes de relatar a perturbadora história de sua fuga, a autora apresenta como é viver num país que ensina seu povo a adorar seu líder e descendentes como se fossem divindades; que está fechado para o mundo e mantém a população sob constante vigilância, punindo severamente qualquer questionamento ao regime. Esta é a Coreia do Norte.

Não tentaram matar Yeonmi com um tiro, mas ao tentar escapar da miséria ela se tornou mercadoria numa rede de tráfego humano que a vendeu junto com a mãe para serem escravizadas na China, onde homens compram esposas norte-coreanas.

Em ambos os casos, ser mulher foi determinante para suas dolorosas experiências em regiões de conflito e, neste sentido, parece que a guerra pode ser bem cruel para uma mulher.

Se Malala sobreviveu, tornou-se Nobel da Paz e vive hoje como ativista pelo direito à educação de meninas em todo o mundo, antes ela precisou viver o terror de ser atacada junto com suas amigas quando se dirigia à escola, ficando entre a vida e a morte simplesmente porque era uma mulher querendo estudar.

Se Yeonmi pôde escrever suas memórias relembrando todos os abusos que ela e sua família sofreram ao tentar fugir de um país que mata primeiro de fome, depois de frio, e então em campos de trabalho forçado, antes ela perdeu a inocência ao ver a mãe negociando o próprio estupro com os atravessadores em troca de proteger a filha.

A representação iconográfica da guerra é masculina. Um homem que sobrevive à guerra empunhando um fuzil é condecorado como herói por matar outros homens que também empunham fuzis do outro lado das trincheiras. Mas nada recebem as mulheres que só têm seu próprio corpo para lidar com a pobreza e a violência inerentes a tempos assim.

Além disso, quando o noticiário mostra a guerra, as imagens recorrentes são de prédios em escombros e explosões. Não vemos as mulheres devastadas nas filas de refugiados administrando a carestia no deslocamento de crianças e idosos. Nem vemos meninas se escondendo em vilas distantes, dentro de barracas vigiadas para não serem assaltadas sexualmente, rezando para conseguir voltar para casa e encontrar seus livros ainda lá.

Conhecer histórias cotidianas dá outra dimensão para a tragédia que uma guerra alcança no âmbito do indivíduo e como ela se perpetua muito além do cessar-fogo, especialmente na vida das mulheres.

É importante clamar pela paz, e também é importante entender a origem dos conflitos. Mas a paz é, em si mesma, uma ideia muito subjetiva. Então deslocar nosso olhar prestando atenção em quem carrega no corpo a herança destes conflitos, durante e depois que eles acontecem, pode nos ajudar a enxergar com mais clareza a paz que falta ao mundo.

Autora

Monique Bonomini é de Poá/SP e tem graduação em Direito e História.

Atua como revisora e leitora crítica e dedica-se ao estudo do feminismo. Apaixonada por livros, mantém sua página no Instagram com impressões de leitura.

No Medium publica outros textos autorais. Publicou um desafio no livro Vida de Escritor, lançado pela Lura Editorial em 2021 e tem um conto na coletânea Um conto de tudo, lançado em 2022 pela Têmpora Criativa.

Nas redes: @moniquebonomini
Site: linktr.ee/moniquebonomini

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