O passado passou

Ninguém é tão grande que não possa aprender, nem tão pequeno que não possa ensinar.”

Esopo

Dos “quando eu tiver dezoito; ainda está cedo, sou jovem; talvez quando eu for mais velha”, para os “aprender não tem idade; sou como o vinho; sessenta no corpinho de cinquenta”, o tempo passa bem rápido.

Num instante somos uma fábrica de projetos e no outro a porta da geladeira está forrada de lembretes para não esquecer o médico, o remédio, o dentista, a última troca do gás e o telefone das pessoas para quem ligar em caso de emergência.

Para fugir de estereótipos e recriar a imagem da maturidade, nada melhor que livros que se valem dessas vozes. Em Sobre os ossos dos mortos, de Olga Tokarczuk, uma professora aposentada, fã de William Blake e antenada em astrologia, protagoniza uma história de assassinatos em série para questionar a relação da humanidade com a natureza. Num discurso que alia sabedoria a notas de sarcasmo, somos apresentados a uma velhinha subversiva disposta a revolucionar sua comunidade após uma injustiça.

Cresci numa bela época, que infelizmente já passou. Havia nela uma enorme disposição para mudanças e a capacidade de criar ideias revolucionárias. Hoje em dia ninguém mais tem a coragem de inventar algo novo. Fala-se apenas sobre como as coisas já são e se continua lançando as mesmas ideias antigas. A realidade envelheceu e ficou senil.”

Já na obra Quarenta dias, de Maria Valéria Rezende, acompanhamos Alice, uma mulher impelida pela filha a mudar-se de estado para cuidar de um futuro neto, ainda que este jamais tenha sido seu plano para a aposentadoria. Ao chegar na nova cidade, uma reviravolta a deixa sozinha e então ela sai em busca de si mesma naquele novo lugar com o qual ela não tem nenhuma identificação. No percurso, ela avalia sua vida, seus desejos e cria a conexão que faltava. A história, contada em tom confessional tendo um caderno por interlocutor, traz diversos insights com muito bom humor e ironia.

“A idade adulta sumiu, comprimida entre a juventude esticada até o limite do indisfarçável e a tal da melhor idade. Melhor só se for pra você Barbie, que já tem quase sessenta e fica sempre igual…”          

No Brasil, o último censo estimou que 14,7% da população é de idosos. Em números absolutos, isto representa cerca de 31 milhões de pessoas com mais de sessenta anos, sendo a estimativa de vida do brasileiro de pouco mais de setenta e seis anos nos números de 2020. Com estes dados em mente, convém considerar com quantas pessoas nesta faixa etária, que não sejam nossos familiares, nos relacionamos de verdade, assim como convém também pensar no tipo de velhos que seremos quando chegar a hora.

Independente da persona que cada um assuma, embora a nostalgia pareça inevitável, assim como algumas dores e lembretes de partes do corpo de que talvez não se tenham cuidado a contento, envelhecer não é viver no passado, pelo contrário, é símbolo de quem seguiu em frente. Se for assim, uma escolha se apresenta, quem envelhece pode se tornar expectador ou se tornar mediador entre o passado e futuro, se dispondo a ensinar o que aprendeu e aprender o que as novas vozes podem ensinar.

Autora

Monique Bonomini é de Poá/SP e tem graduação em Direito e História.

Atua como revisora e leitora crítica e dedica-se ao estudo do feminismo. Apaixonada por livros, mantém sua página no Instagram com impressões de leitura.

No Medium publica outros textos autorais. Publicou um desafio no livro Vida de Escritor, lançado pela Lura Editorial em 2021 e tem um conto na coletânea Um conto de tudo, lançado em 2022 pela Têmpora Criativa.

Nas redes: @moniquebonomini
Site: linktr.ee/moniquebonomini

Publicado por Monique Bonomini

De São Paulo. É formada em Direito e História. Atua como revisora e com leitura crítica. Colunista da página Olhar para Dentro e integrante do Coletivo Escreviventes de escritoras.

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

%d blogueiros gostam disto: