Desde muito cedo os animais nos ajudam a aprender lições valiosas. Seja através de lendas, seja através dos desenhos animados, a humanidade se entende melhor quando se vê na pele dos bichos.
Jean de La Fontaine, poeta que alcançou sucesso com fábulas, colocava os animais como personagens centrais para assim dirigir suas críticas aos homens, denunciando os problemas de sua época. Ele disse:
“As fábulas não são tão triviais quanto parecem. Nelas, o animal mais simples nos serve de mestre. A lição moral nos entedia, mas nas fábulas é mais fácil digeri-la. Além disso, a fábula tem uma dupla missão: agradar e instruir.”
Em sua fábula A raposa, o Macaco e os Animais, o Leão, rei da selva, morre e os animais se reúnem em busca de um novo rei. A coroa do Leão não serve bem a ninguém, mas o Macaco com suas estrepolias e graças conquista a plateia e o direito de usá-la. Exceto pela Raposa, que decide testar o novo monarca lhe contando em privado sobre um tesouro que só ela sabia onde estava, mas que por ele ser agora a Majestade, lhe pertencia.

O Macaco, movido pela ganância, passou a procurar o tesouro à revelia das outras necessidades dos animais, decidido a reivindicá-lo. A Raposa, constatando que ele caiu na armadilha, convoca os outros, toma a palavra e pergunta ao Macaco: “Pretende nos governar? Logo você que não sabe nem governar a si mesmo?” E o Macaco foi deposto.
No dicionário, um dos significados para “governar” é dirigir, isto é, guiar. Então é preciso que quem esteja no comando saiba por onde e para onde vai, evitando as estradas tortuosas e os becos sem saída em respeito àqueles que empurram o carro. Quem governa precisa traçar a melhor rota.
Mais de 300 anos depois de La Fontaine, o Coletivo Sabichinho surgiu dedicado a explorar temas complexos como tipos de poder e eleições democráticas com a participação de crianças. Daí nasceu o livro Eleição dos Bichos, assinado por André Rodrigues, Larissa Ribeiro, Paula Desgualdo e Pedro Markun e publicado em 2018 pela Companhia das Letrinhas.

Na história, a bicharada cansada dos desmandos do Leão, especialmente depois que ele desviou água do rio para construir uma piscina na própria toca, decide fazer uma eleição. Estabelecem as regras e entram na disputa a Macaca, a Preguiça, a Cobra e o próprio Leão. Com a arena eleitoral armada, os candidatos apresentam suas propostas, conversam com seus eleitores e vejam só, participam até de um debate. No dia da votação, a Coruja se encarrega da contagem e dá posse ao mais votado que presta seu compromisso.
O livro, que pode ser baixado gratuitamente em <quemmandaaqui.com.br>, é uma alegoria perfeita do processo eleitoral: tem propaganda, tem promessa absurda, tem troca de apoio e até tentativa de burlar o sistema, revelando como este momento é importante para a vida cívica, afinal é através dele que decide-se o tipo de sociedade que se quer ser.
Enquanto o pai das fábulas critica a figura do monarca que acumula riquezas e se esquece de cuidar dos seus súditos, o Coletivo mostra como a democracia e a possibilidade que ela dá de escolher como líder quem tem as melhores propostas para toda a coletividade, é até agora a melhor maneira de viver em comunidade.
Embora ler seja um processo solitário, o que se aprende com histórias como essas é que em nenhum lugar se está sozinho. Há sempre um outro para quem este mundo também é casa e embora dividir a casa nem sempre seja tarefa fácil, para coabitarmos precisamos encontrar formas pacíficas e justas de existir e assim tornar a casa um lar.
Autora

Natural de São Paulo, é graduada em Direito, História e atua como Revisora.
Feminista em construção, usa sua página no Instagram para compartilhar experiências de leitura e vida.
É colunista do portal Olhar para dentro e do site <commusica.com.br> e integra o Coletivo Escreviventes de escritoras. No Medium publica crônicas intimistas. Tem textos em coletâneas e revistas literárias.
Nas redes é @moniquebonomini e sua produção pode ser encontrada em linktr.ee/moniquebonomini
Ótimas referências para tratar de um tema fundamental a ser defendido, ainda mais nessa semana as vésperas do 7/9.
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Perfeito texto. Presente, necessário. O livro infantil que certamente poderá ensinar o processo a muitos adultos. Uma fábula necessária a esse nosso lar Brasil. Parabéns
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Muito obrigada, Vera. A gente segue tentando achar formas de sair da cilada em que nos metemos. Que a literatura nos ajude!
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