A grosso modo, o ser humano constrói sua individualidade a partir de processos internos e externos.
Podem-se considerar como fator externo os comportamentos e posturas comuns à comunidade em que se vive.
Enquanto isso, a subjetivação, em termos muito simplórios, refere-se aos critérios internos a partir dos quais cada um elabora suas subjetividades. Isto é, seus medos, vivências, desejos, desafios, entre outros, sendo ela que nos diferencia do nosso semelhante já que as infinitas combinações de subjetividades tornam cada indivíduo único, além de ser um processo permanente, que produz transformações até a morte.
No entanto, não é raro que algumas pessoas sufoquem suas subjetividades em prol de atender a expectativa alheia, e há livros que descrevem muito bem a dor deste comportamento.
No enredo de As Inseparáveis, Simone de Beauvoir ficcionaliza sua história pessoal com Zaza, seu primeiro amor e melhor amiga, que morreu aos 22 anos de encefalite viral. Na história, Zaza nos é apresentada como Andrée e Simone como Sylvie.

Elas se conheceram aos 10 anos na escola e, ao invés de se tornarem concorrentes por serem ambas as melhores da sala, tornaram-se amigas inseparáveis.
O drama da história repousa no fato de que, a despeito de sua sagacidade, Andrée era filha de uma família numerosa e religiosa, que já tinha premeditado o roteiro da sua vida: casar-se com um candidato escolhido pela família, e ser uma boa esposa católica ou tornar-se freira.
Para a dona de um intelecto e personalidade únicas, tal destino implicava no sufocamento completo de suas aptidões o que, aliado ao amor devoto à sua mãe e uma compreensão avançada da fé, acabaram tornando sua vida um verdadeiro dilema. Para Simone, o fato de a amiga flanar entre as expectativas asfixiantes da mãe e seu desejo em ser ela mesma, a levou ao colapso. Zaza morrera por sua excepcionalidade.
Pensando em termos equivalentes, hoje as expectativas são outras e não estão relacionadas a uma moral religiosa, mas a um contexto socioeconômico que diz que há uma idade certa para se formar, casar, ter filhos, etc. e atrela o sucesso a posse de bens e certo status dentro de um grupo.
Esta tentativa de corresponder ao comportamento padrão também está presente na narrativa de O quarto de Giovanni, livro de James Baldwin. Uma outra história repleta de cruzamentos entre elementos de ficção e autobiográficos.

O romance nos conta de David, um jovem americano, órfão de mãe, que, estando encaminhado na vida, parte para uma temporada na França, onde arruma uma namorada. Ela, porém, o deixa por um período para desfrutar de um passeio pela Espanha. Ao se ver sozinho, David se permite viver uma história com Giovanni.
Enquanto Giovanni está completo na relação, na superfície David se comporta como se aquilo não fosse nada de mais, escondendo do amante que muitos anos antes já tinha se decidido a não deixar nenhum espaço no universo para uma coisa que o inspirava medo e vergonha.
David é descrito como tolo e desprezível, por fingir ser algo diferente do que é, e que está evidente para todos. Como se o fato de ter uma namorada fosse o suficiente para o afastar de sua homossexualidade e do amor que tinha por Giovanni.
Nas histórias, percebemos que viver em negação de si mesmo demanda um esforço vigoroso, sendo quase uma tortura reprimir-se. A ansiedade por imaginar que todos ao redor percebem tamanho esforço para caber numa pele que não é sua, numa vida que não é a sua, é perturbador.
Talvez conhecer-se seja dolorido, afinal a jornada do autoconhecimento passa por muitos lugares que gostaríamos de não ver ou saber que existem, mas ainda assim não se compara com a dor de não ser o que se é.
Autora

Monique Bonomini é de Poá/SP e tem graduação em Direito e História.
Atua como revisora e leitora crítica e dedica-se ao estudo do feminismo. Apaixonada por livros, mantém sua página no Instagram com impressões de leitura.
No Medium publica outros textos autorais. Publicou um desafio no livro Vida de Escritor, lançado pela Lura Editorial em 2021 e tem um conto na coletânea Um conto de tudo, lançado em 2022 pela Têmpora Criativa.
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