Pássaros são criaturas intrigantes. A despeito de nós que estamos condenados à terra firme, eles voam e são um potente símbolo de liberdade. Além disso, muitos pássaros são engenheiros habilidosos e ostentam lindas plumagens, uns são bem pequenos e outros são imensos. Alguns vivem solitários em altas montanhas rochosas, outros mergulham em alto-mar para pescar seu alimento, e assim descobrimos que são animais muito versáteis e resistentes.
No imaginário de muitos, os pássaros estão associados à paz campestre e à tranquilidade. Seu canto no alvorecer e as revoadas anunciando o fim de mais um dia são imagens que podem ser projetadas com muita facilidade por qualquer pessoa, mas não são as únicas possíveis.
O livro O peso do pássaro morto, de Aline Bei, lançado em 2017, é um romance de linguagem bastante peculiar que narra a trajetória de uma mulher, dos 8 aos 52 anos, que precisou aprender a conviver com a perda desde muito cedo. A morte de uma amiga na infância, sua própria morte na adolescência, e a morte de um tempo em sua vida.

A metáfora que dá título ao livro mostra como é relativo o peso das coisas vivas em oposição ao que morre. A vida, repleta de experiências, de sentimentos e presenças pode ser leve ou vazia, mas a ausência que a morte impõe, por tudo que leva consigo e diante de todas as expectativas que frustra, vezes pesa sobre quem vive o luto.
Enquanto isso, O pássaro secreto, de Marilia Arnaud, publicado em 2021, é um romance perturbador que nos faz enfrentar a inquietante trajetória de uma menina que, não sabendo nomear seus sentimentos, os toma por algo vivo que cresce, fere e tenta escapar de dentro de si.

Aglaia, a protagonista, tem o nome da graça da inteligência e suas irmãs mitológicas Eufrosine e Thalie também estão representadas na trama. Porém não como filhas de Zeus, mas de um outro pai poderoso, responsável pela primeira fissura na casca do ovo deste ser que nasce dentro de Aglaia.
Em ambos os casos a figura do pássaro passa longe do bucólico e nos faz pensar: quantas coisas no mundo são muito mais do que aparentam? Quantas vezes nos deparamos com algo que julgamos ser de um jeito, mas reparando com atenção vemos que é mais complexo do que supomos? Como um pássaro, com suas asas, bico, alguns punhados de penas e um trinado cheio de melodia, pode ser símbolo de liberdade e, ao mesmo tempo, sinônimo de angústia?
A ficção, como lhe é próprio, nos convida a olhar para um aspecto mais obscuro por detrás da aparente delicadeza alada do pássaro, e percebê-lo como uma metáfora para a inquietação, um animal indômito que voa para longe à menor ameaça, que foge da gaiola ao menor vacilo e que morre facilmente porque seu corpo frágil é feito para golpes de ar, apenas.
E nesta brincadeira de desvendar os signos de uma obra, a gente acaba esbarrando nas próprias facetas de que é feito. Ninguém é só o que aparenta ser, todos carregamos porções de coisas que são invisíveis na superfície. Fragmentos de personalidade e sentimentos a que damos alguma vazão, permitindo pequenos voos, ou a que reprimimos guardando numa gaiola em qualquer lugar dentro de nós.
Autora

Monique Bonomini é de Poá/SP e tem graduação em Direito e História.
Atua como revisora e leitora crítica e dedica-se ao estudo do feminismo. Apaixonada por livros, mantém sua página no Instagram com impressões de leitura.
No Medium publica outros textos autorais. Publicou um desafio no livro Vida de Escritor, lançado pela Lura Editorial em 2021 e tem um conto na coletânea Um conto de tudo, lançado em 2022 pela Têmpora Criativa.
Nas redes: @moniquebonomini
Site: linktr.ee/moniquebonomini
Certamente, devemos não apenas aprender com os pássaros a liberdade, mas também respeitar a liberdade deles, jamais os aprisionando. Foram feitos para a liberdade! É muito triste ver pássaros enlouquecendo nas cruéis gaiolas.
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