“Não adianta: feminista só é bem-vinda uma vez ao ano. Eu me sinto praticamente um panetone, com a diferença que o panetone (ou, sua versão de chocolate, pelo menos) é consenso; feminista, não.” estas palavras são de Marcella Rosa Abboud no livro Como sobreviver ao 8 de março e nos provocam sobre como a sociedade lida anualmente com o mês em que é celebrado o dia internacional da mulher.

Muitos setores se dispõem a ouvir o que querem as mulheres, já outros preferem ficar só nas “homenagens” entregando bombons, rosas ou mesmo enviando uma econômica mensagem de WhatsApp para em abril tudo voltar à programação nomal.
Há mulheres que já se conformaram e ficam com o que a sociedade quiser entregar: “Parabéns pelo seu dia!” ou “Em vez de flores, conscientize-se!”, e tome palestra. Em qualquer dos cenários o que não muda é que as mulheres continuam recebendo menores salários, ainda ficam com a maior carga de trabalhos domésticos, sofrem com a romantização da maternidade, estão sub-representadas na política e amargam um crescente número de casos onde são vítimas de violência doméstica.
Mesmo as mais aguerridas “guerreiras”, vez ou outra, capitulam e é inevitável pensar que nada vai mudar. Porém, como dizem, ainda bem que a gente tem a gente e existem umas “fadas sensatas” provando que há sim mudanças em curso e que é possível fazer-se ouvir.
Uma delas é a jornalista, historiadora e escritora americana Rebecca Solnit, que em 2014 publicou a coletânea de ensaios Os homens explicam tudo para mim, lançado no Brasil em 2017, pela Cultrix.

De forma muito objetiva e fundamentada, ao longo de nove ensaios a autora mostra, a partir de uma cômica cena ocorrida com ela, como é habitual alguns homens se acharem no direito de explicar coisas para as mulheres quer eles saibam ou não do que estão falando.
Ao expor ao público este comportamento arrogante, o ensaio, que acabou dando nome ao livro, causou tanta comoção que as trabalhadoras de universidades criaram um site reunindo relatos sobre a forma paternalista como eram tratadas e interrompidas em seus trabalhos, o que culminou na criação do termo “mansplaining”.
É claro que nem todos da comunidade masculina receberam bem o texto e Rebecca foi severamente aconselhada, por homens, a procurar ajuda para lidar com seu sentimento de inferioridade.
Já a jornalista britânica Caitlin Moran, apesar de não ter um currículo tão imponente quanto o de Rebecca, usou o humor para relatar suas memórias a partir dos 13 anos para fazer seu livro Como ser mulher, lançado por aqui em 2012, pela Paralela. Trata-se de um divertido manifesto feminista que denuncia os inúmeros absurdos a que as mulheres são submetidas na ilusória busca pela plenitude feminina.

Ao longo de dezesseis espirituosos capítulos, Caitlin descortina como enfrentou suas crises com menstruação, pelos, seios, com o fato de ser gorda, com o fato de ser heterossexual e feminista, com o insistente interesse das pessoas nos seus possíveis filhos, sobre aborto e cirurgia plástica.
Não é possível reproduzir, mas ela nos faz chorar de rir ao discorrer, por mais de cinco páginas, sobre a loucura que é a indústria da roupa íntima feminina, que lança calcinhas cada vez menores e mais desconfortáveis de pretenso uso casual como se a qualquer momento uma mulher pudesse ser pega por “uma inspeção surpresa de sua gostosura total”.
Enquanto Rebecca, com suas credenciais, incita as mulheres a se apoderarem da linguagem, assumindo que só o discurso pode mudar as coisas: “nossas palavras são nossas armas”, afirma.
Caitlin arremata mostrando que o discurso não precisa ser sisudo e defende, de forma despojada, que para ser mulher é preciso enfrentar, “a maneira como as mulheres acreditam não serem seres humanos tão bem intencionados que dão o melhor de si, mas que são uma lista infinita de problemas (gordas, peludas, antiquadas, fedidas, cansadas, nada sensuais e donas de um assoalho pélvico desobediente, para completar) a serem resolvidos”.
Seja qual for a via escolhida para que a sociedade seja mais equânime, uma forma de começar a enfrentar o problema é chamando as coisas pelos seus nomes: sexismo, misoginia, desigualdade, feminismo, cultura do estupro, assédio sexual, consentimento, violência doméstica, pois Rebecca afirma que “são ferramentas linguísticas que redefinem o mundo que muitas mulheres encontram diariamente e abrem caminho para começar a mudá-lo”.
Além disso, estes três livros mostram que muitas vezes experiências pessoais ruins são na verdade, frutos de um problema coletivo e falar sobre o assunto é o meio mais eficaz para identificar essa situação.
Então, neste mês de março, ainda que seja este o único momento em que você mulher vai receber alguma atenção legítima, use seu poder de discurso. Há um comunidade inteira precisando que uma nova narrativa seja construída para derrubar os preconceitos de gênero e toda a desigualdade e dor que ela promove.
Autora

Monique Bonomini é de Poá/SP e tem graduação em Direito e História.
Atua como revisora e leitora crítica e dedica-se ao estudo do feminismo. Apaixonada por livros, mantém sua página no Instagram com impressões de leitura.
No Medium publica outros textos autorais. Publicou um desafio no livro Vida de Escritor, lançado pela Lura Editorial em 2021 e tem um conto na coletânea Um conto de tudo, lançado em 2022 pela Têmpora Criativa.
Nas redes: @moniquebonomini
Site: linktr.ee/moniquebonomini
Excelente artigo! O discurso é o caminho que abre ouvidos e portas para mudanças necessárias.
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Orgulho de mulher hein moça, Parabéns você é muito especial e inteligente,amei seu texto.
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Muito bom texto que todas as mulheres precisam ler, parabéns.
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Fiquei interessada em ler Como ser mulher. Às vezes, só o humor para aplacar esse constante desgosto em não ser ouvida. No dia 08 de março eu geralmente fico tão irritada com a hipocrisia que acabo não falando nada. Esse texto me fez repensar essa atitude.
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Que ótima forma de começar a semana. Por mais textos assim. Parabéns Monique e obrigada pelas dicas de leitura.
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Excelente! Abrindo caminhos!
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