O fim de uma história é o começo de todas as outras

A palavra crônica deriva do latim chronica, sendo um termo usado antigamente para se referir ao relato de acontecimentos numa ordem temporal. Indica, portanto, um registro cronológico de eventos. Tais relatos tiveram origem na Antiguidade e foram muito comuns na Idade Média e no Renascimento europeu num sentido diferente do atribuído à palavra posteriormente com o desenvolvimento da imprensa.

Pensar no começo, traçar para a vida uma linha cronológica de acontecimentos pode não ser uma tarefa fácil. Ao contrário de um fio esticado a vida parece mais um novelo embolado que precisamos desatar. Porém é interessante, de vez em quando, parar e tentar entender como tudo começou.

Em 2005, o lançamento do filme As Crônicas de Nárnia – O Leão, A Feiticeira e O Guarda-Roupa, história baseada no livro de C. S. Lewis, ganhou o grande público. Pouco tempo depois, baseado no mesmo livro, outras das sete crônicas também ganharam adaptações, sendo Príncipe Caspian e A viagem do Peregrino da Alvorada. No entanto, a primeira delas O sobrinho do mago, não ganhou filme, e daí que o fio desta história que hoje muitos conhecem deu um nó.

Quando Lúcia chega com seus outros três irmãos para ficar na casa do tio, durante uma brincadeira de esconde-esconde, ela entra num guarda-roupa e ao afundar-se em casacos velhos acaba atravessando uma passagem para outro mundo. Nárnia, que está coberta de neve e tem na paisagem um poste de luz que fica, inexplicavelmente, sempre aceso.

Tanto a propriedade mágica do guarda-roupa quanto a neve espessa e o poste de luz, totalmente desconexo do cenário, se explicam na primeira crônica. Chega a dar uma coceirinha nos dedos a vontade de revelar como tudo isso acontece, mas ler a cena de um Aslan cantando para Nárnia nascer é das coisas mais bonitas que a literatura já produziu e todo mundo devia experimentar, mas mesmo este momento é só a nona parte das quinze que compõem O sobrinho do mago.

E há uma questão de justiça: em que pese todas as qualidades da cativante Lúcia, são Digory e Polly que começaram toda a aventura. Eles eram duas crianças desajustadas que encontraram por acaso uma possibilidade de fugir de suas realidades e o que elas vivem acaba levando-os diretamente ao ponto onde Nárnia começa a surgir ao comando de um gigantesco e brilhante leão chamado Aslan.

O encerramento desta primeira crônica, poeticamente intitulado Fim desta história e começo de todas as outras se dá quando Digory e Polly, ao despedirem-se de Aslan para voltar ao seu mundo, levam consigo um pedido:

“Não é impossível que um homem perverso de sua raça descubra um segredo tão pavoroso quanto o da Palavra Execrável, e use esse segredo para destruir todas as coisas vivas. Breve, muito breve, antes que envelheçam, grandes nações em seu mundo serão governadas por tiranos parecidos com a imperatriz Jadis: indiferentes à alegria, à justiça e ao perdão. Avisem seu mundo deste grande perigo.”

Os reis, os heróis e os vilões sempre existirão, talvez em novas roupas, talvez com outros nomes, mas é certo que de alguma forma estas personagens estarão sempre representadas. E será a forma como se comportam, suas escolhas e atitudes que determinarão o rumo da história.

Todas as demais crônicas que vêm depois disso são para proteger os preceitos que Aslan determinou para Nárnia: um mundo onde os animais e as árvores têm voz, onde os homens e o seres elementais, como faunos e fadas, vivem em harmonia e onde a terra provê o alimento para todos, sem privilégios.

Assim, quem apenas assiste aos filmes feitos até aqui, sem ler As crônicas de Nárnia, vê uma boa representação das personagens e deste mundo magnífico, mas não enxerga o todo do mapa todo da história, pois caminha por elas sem a bula que Aslan projetou: não esquecer que os homens perversos estão sempre atrás de um poder aniquilador, e quando tais homens assumem o comando sempre será mais difícil sorrir, ser justo e ter compaixão, e é preciso estar sempre atento a esta ameaça.

Autora

Monique Bonomini é de Poá/SP e tem graduação em Direito e História.

Atua como revisora e leitora crítica e dedica-se ao estudo do feminismo. Apaixonada por livros, mantém sua página no Instagram com impressões de leitura.

No Medium publica outros textos autorais. Publicou um desafio no livro Vida de Escritor, lançado pela Lura Editorial em 2021 e tem um conto na coletânea Um conto de tudo, lançado em 2022 pela Têmpora Criativa.

Nas redes: @moniquebonomini
Site: linktr.ee/moniquebonomini

Publicado por Monique Bonomini

De São Paulo. É formada em Direito e História. Atua como revisora e com leitura crítica. Colunista da página Olhar para Dentro e integrante do Coletivo Escreviventes de escritoras.

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