A maternidade das mães

Ser mãe é padecer no paraíso, dizem. O fato é que, com as mulheres tomando cada vez mais espaço na cena literária e o debate feminista avançando na sociedade, mais a maternidade é trazida para o foco das narrativas.

Em As mães são muitas, de Katixa Agirre, lançado este ano pela Primavera Editorial, duas maternidades são usadas como pano de fundo para o livro que a protagonista decide escrever. A maternidade abordada de forma incidental é o gatilho disparador que revela para a escritora a personagem de sua próxima história, que assim como ela é mãe.

Uma das provocações escamoteadas no texto, que traz diversos tipos de mães em seu desenrolar é: Por que alguém decide ter filhos? Em que momento alguém com planos sólidos para o futuro e um planejamento bastante razoável para a própria vida abdica deste controle para trazer ao mundo mais um ser humano? E mais, como ficam as mães que querem seus filhos, mas descobrem que a maternidade pode ser desafiadora demais?

Na natureza, para a maioria das espécies a concepção obedece a um chamado primitivo, cada uma tem um tempo e compromisso determinado com a cria, depois do qual parte, algumas espécies sequer sobrevivem ao nascimento da prole e a deixam à própria sorte. Mas a humanidade tem uma relação ambígua com seus descendentes.

Afinal, nem todos levam o mesmo tempo para ensinar e aprender as mesmas lições, nem dedicam ou dispõem do mesmo tempo para a sobrevivência da prole que geram. Nem mesmo alguns passos bastante ordinários como escola, maioridade e trabalho, são dados da mesma maneira. Há uma imprevisibilidade monstruosa no exercício parental humano, então por que alguém decide trazer ao mundo mais um habitante, e outro mais?

O livro Canção de Ninar, da francesa Leïla Slimani, opõe Myriam e Louise, mãe e babá, e através delas, de suas relações com as crianças e da história de vida de ambas, questiona um modelo de vida que inviabiliza a maternidade para quem tem recursos e para quem não tem. O debate está mascarado pela constante provocação para que o leitor julgue a conduta da mãe que volta a trabalhar, da sogra que condena a nora e da babá, boa demais para ser verdade, tornando difícil nomear culpados para o final dado à trama.

Apresentado na literatura pela mão das escritoras, a cada dia o tema ganha novos contornos e revela que ainda há muitas camadas escondidas sobre esta que sempre foi tida como uma disposição natural da mulher, a maternidade. Por isso, só as mulheres conseguirão esclarecer o que significa este padecer materno e descobrir se o paraíso anunciado existe ou se trata apenas de uma miragem.

Autora

Monique Bonomini é de Poá/SP e tem graduação em Direito e História.

Atua como revisora e leitora crítica e dedica-se ao estudo do feminismo. Apaixonada por livros, mantém sua página no Instagram com impressões de leitura.

No Medium publica outros textos autorais. Publicou um desafio no livro Vida de Escritor, lançado pela Lura Editorial em 2021 e tem um conto na coletânea Um conto de tudo, lançado em 2022 pela Têmpora Criativa.

Nas redes: @moniquebonomini
Site: linktr.ee/moniquebonomini

Publicado por Monique Bonomini

De São Paulo. É formada em Direito e História. Atua como revisora e com leitura crítica. Colunista da página Olhar para Dentro e integrante do Coletivo Escreviventes de escritoras.

10 comentários em “A maternidade das mães

  1. Espero que esta postagem de hoje alcance o maior número de sapiens, machos e fêmeas, e que a eles cause o mesmo impacto que causou a mim. Excelente texto, mais um, para esta ótima coluna. 👏🏻

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  2. Gosto de ver esse movimento, esse descortinar da maternidade no debate público através das artes. Fiquei muito curiosa para ler os livros, especialmente o segundo. Obrigada pelo texto, Monique.

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  3. Amei o texto e todas as discussões que ela traz e desperta! A literatura escrita por mulheres traz essa abordagem, tão real que dói. Parabéns pelo belo artigo!

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  4. Oi, Mo.
    Parabéns pelo texto. Eu imagino que essa modificação no modo de encarar a maternidade seja para melhor, apesar de muito ainda haver para se conquistar. Que o direito de ter ou não filhos seja assegurado e que as mulheres sejam livres para decidir sempre! Beijão e continue escrevendo.

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