Esquisito é ser normal

Tem gente que é muito esquisita. Quem, por exemplo, prefere frio, come o feijão por cima do arroz, conversa com plantas, troca o nome de todo mundo que tem menos de trinta anos, chama todo mundo com menos de vinte anos pelo mesmo nome, não pode imaginar gente que usa sapato sem meia, gosta de passar roupa, briga com os objetos quando eles caem ou tem medo de dinossauros, mesmo sabendo que eles não existem.

Forte representante deste grupo, Jenny Lawson é uma escritora americana que abre seu livro Alucinadamente Feliz, com a seguinte frase:

Todos somos feitos da esquisitice que tentamos esconder do resto do mundo”.

Lançado por estas bandas em 2015, pela Intrínseca, o livro reúne textos do blog onde ela compartilha com seus leitores como é seu dia a dia vivendo com transtornos mentais e gostos peculiares.

A obra revela a forma que a autora encontrou para levar uma vida mais leve mesmo com os problemas que enfrenta, como a depressão, muitas vezes incapacitante, mas que ela acolhe pois já faz parte de quem ela é.

Quem for em busca desta leitura vai encontrar uma lista extensa de problemas mentais, mas, sobretudo, vai dar risada com a forma com que a escritora encontrou para sobreviver a eles.

Ela coleciona botões, bonecas antigas, monta casas em miniatura, dá nomes artísticos para seus pets, é admiradora da taxidermia, com vários exemplares pela casa, e principalmente, não deixa que suas doenças e condições a definam ou determinem como ela vai viver. Ela tem uma família, um lar, uma profissão, passa por crises e aprendeu a aceitar as esquisitices que a tornam “diferente” dos outros.

Um dos últimos textos do livro recebeu o seguinte título: “Poderia ser mais fácil, mas não seria melhor”. Nesta passagem, a autora apresenta um depoimento sincero sobre suicídio, sua escolha em falar abertamente sobre seus transtornos, sobre o receio de ser julgada e sobre ser amada, e sobre como é importante “aceitarmos os defeitos de alguém, especialmente quando isso nos dá a chance de aceitar nossos próprios defeitos e ver que são eles que nos tornam humanos”.

Há muitas esquisitices povoando o mundo, porém como disse Caetano, de perto ninguém é normal. Porque ser normal é ser homogêneo, é não ter particularidades, não possuir traços únicos. Ser normal é não fazer combinações de comida que para outros parecem absurdas, mas que para seu paladar são o melhor sabor do mundo. O normal não existe.

Certamente a sombra e o silêncio oferecem algum conforto para os “diferentes”. Ocultar nossas marcas, esquisitices, aquilo que nos coloca em evidência diante do que é senso comum pode de fato ser mais fácil, mas isso não é o mesmo que dizer que é o melhor. Esconder-se pode dar mais trabalho do que simplesmente existir sob a luz.

Há uma cena no filme O homem bicentenário, de 1999, estrelado por Robin Williams, em que Andrew, um robô, especula sobre a aparência humana que deseja ter. O cientista que o ajuda lhe pede para observar algo simples, mas poderoso: ele pede que Andrew repare em seu nariz e descreva as imperfeições que enxerga. Quando ele termina, o cientista responde algo como:

“Viu? Isso é o que faz deste nariz o meu nariz! São minhas imperfeições que me tornam quem eu sou”.

Autora

Monique Bonomini é de Poá/SP e tem graduação em Direito e História.

Atua como revisora e leitora crítica e dedica-se ao estudo do feminismo. Apaixonada por livros, mantém sua página no Instagram com impressões de leitura.

No Medium publica outros textos autorais. Publicou um desafio no livro Vida de Escritor, lançado pela Lura Editorial em 2021 e tem um conto na coletânea Um conto de tudo, lançado em 2022 pela Têmpora Criativa.

Nas redes: @moniquebonomini
Site: linktr.ee/moniquebonomini

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