“Saiba: todo mundo teve mãe
Índios, africanos e alemães
Nero, Che Guevara, Pinochet
e também eu e você”
Pode parecer óbvio dizer que todo mundo teve mãe, mas os versos da música Saiba, de Arnaldo Antunes, reforçam a máxima que muitas vezes parece escapar a um ou outro ser humano, de que viemos todos de um lugar comum.
Afirmar que todos têm mãe, contudo, não é o mesmo que dizer que todas as mães são iguais. Aliás não tem nada mais distante da realidade do que a imagem comercial da mãe sempre sorridente, cercada de filhos em volta de uma mesa farta.
É neste sentido que a literatura nos oferece um farto cardápio maternal que, além de nos ajudar a descontruir o estereótipo da mãe etérea, também nos convida a perceber a identidade única da nossa própria mãe.
Abre o desfile Molly Weasley, a matriarca da humilde família Weasley da saga Harry Potter, de J.K. Rolling, que tem nada menos do que sete filhos. Molly é a expressão viva do ditado “onde come um, comem dois”. Ela administra os parcos recursos familiares com maestria, tricota agasalhos, transfere roupas entre os filhos, recicla o material escolar dos mais velhos para os mais novos, reforma o que for possível, recebe os amigos oferecendo seu bem mais valioso, a cortesia, e cria os filhos num ambiente totalmente colaborativo. Desta forma, a despeito da pobreza, ali abunda fraternidade.
Em seguida cito uma das mães mais emblemáticas da literatura, Úrsula Iguarán, a centenária matrona de Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Márquez. Muito séria e ativa, a mãe de José Arcadio, Aureliano e Amaranta é antes de tudo uma pragmática. Onipresente ao longo da narrativa, Úrsula é a fonte do sustento da família e sua reserva de sanidade depois que o pai, de tanto deixar-se levar pelas alquimias e máquinas mágicas dos ciganos, acabou sendo amarrado a uma castanheira em delírio. Apesar de ser uma mãe sisuda, ama sua estirpe mesmo quando não correspondida, como se carregasse sozinha o peso da responsabilidade por todos, uma mulher dinâmica e admirável.
Em contraponto, uma mãe que nos deixa entre o cômico e o desesperador, é a Sra. Bennet, de Jane Austen em Orgulho e Preconceito. Ela está disposta a tudo para conseguir bons casamentos para suas filhas, e conhece as vantagens de cada uma de suas meninas sobre as demais moças solteiras. Por isso vive fazendo propaganda dos atributos delas, reivindicando os méritos pelas qualidades que, ela supõe, as tornam superiores. No entanto, é completamente cega para quem as filhas são de verdade e para como o mundo à sua volta debocha de seus modos completamente inconvenientes, mas um tanto ingênuos, pois só quer o melhor para as filhas.
E, para encerrar, invoco Salu, mãe de Belonísia e Bibiana de Torto Arado, de Itamar Vieira Junior. Esta mulher é a personificação da fibra, resignada com sua vida, educa as filhas através do exemplo. Trabalha de sol a sol e é companheira para todas as horas, todas mesmo, de Zeca Chapéu Grande. Com seu modo reservado e simples, mostra que a solidariedade não tem classe social e a caridade está, sobretudo, nas atitudes.
Este enxuto desfile de obras de diferentes tempos e lugares, não encerra em absoluto a multiplicidade de mães que existem, mas nos mostra que, ainda que as mães repitam um ou outro maneirismo, cada uma é mãe à sua maneira e faz pelos filhos o que está ao seu alcance. São, portanto, mães possíveis, bastante humanas, bem distantes daquelas que figuram nos anúncios de margarina.
Em tempos de celebrar o dia das mães, que tal conhecer um pouco melhor a sua? Que tal ouvir histórias dela ou sobre ela, caso ela não esteja mais aqui? Ou ainda, que tal conhecer um pouco sobre as mães de pessoas que você conhece, saber mais da mãe da sua mãe? Ou pesquisar sobre mulheres notáveis que, além dos seus feitos, também são mães, ouvir mulheres para quem a maternidade não foi um mar de rosas ou mesmo saber das mães que não tem mais os filhos? Certamente há muitas personagens incríveis por descobrir, afinal é como diz a canção, todo mundo teve mãe.
Autora

Monique Bonomini é de Poá/SP e tem graduação em Direito e História.
Atua como revisora e leitora crítica e dedica-se ao estudo do feminismo. Apaixonada por livros, mantém sua página no Instagram com impressões de leitura.
No Medium publica outros textos autorais. Publicou um desafio no livro Vida de Escritor, lançado pela Lura Editorial em 2021 e tem um conto na coletânea Um conto de tudo, lançado em 2022 pela Têmpora Criativa.
Nas redes: @moniquebonomini
Site: linktr.ee/moniquebonomini
Belo texto, Monique. Ursula Iguaran me lembra muito a minha avó, talvez seja isso que a faça minha personagem preferida de Cem anos de solidão. Lembrei da minha mãe e de muitas amigas mães a ler seu texto. É uma bela provocação!
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Que demais, Licia. É muito legal encontrar essas identificações. Eu tb adoro Ursula. Obrigada por sua leitura!
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