
Prêmio Goncourt em 1984, com mais de 2 milhões e meio de exemplares vendidos apenas na França, o romance O Amante, de Marguerite Duras, narra a tumultuada história de amor entre uma jovem francesa e um rico comerciante chinês na Indochina pré-guerra, então colônia francesa.
O badalado livro de Duras, que se vale de uma linguagem fragmentada, intercalando vozes narrativas com idas e vindas no tempo da história, foi adaptado para o cinema e aborda temas pra lá de desconfortáveis vivenciados por uma menina de quinze anos que se entrega a um homem rico para fugir de sua realidade pobre e desajustada, escancarando uma aproximação por interesse financeiro e prazer.
Além disso, o pai morto, a mãe emocionalmente instável e falida, um irmão mais novo tragado pela guerra e um irmão mais velho que é a figura do déspota, compõem o enredo que se desenvolve no calor úmido do que hoje é o Vietnã.
Destroça saber que a história foi inspirada na experiência de vida da autora. Ali há muito do que ela própria viveu, em especial o corroído tecido familiar.
Segundo a biografia de Marguerite Duras por Laure Adler, a experiência pessoal da autora foi matéria prima para mais de cinquenta romances, peças de teatro e filmes que ela produziu, o que indica uma releitura constante da própria vida, um enfrentamento constante dos demônios que a habitavam, como em todos nós.
Em certa medida, é um equívoco tratar a escrita como processo terapêutico, pois muitas vezes ele nos impele a um sem número de releituras, correções, e uma busca por colocar no texto a voz certa, uma necessidade obsessiva de saber que acertamos o tom.
Além do potencial problemático deste processo, que, certamente, dispara alguns gatilhos, é preciso confrontar uma certa estranheza diante do que escrevemos e reescrevemos, pois se numa via nos vemos em nossos textos, na outra é imperioso que, quem os leia, não nos veja.
No livro Escrever, lançado em setembro de 1993, apenas dois anos antes de sua morte aos 82 anos e que ganhou edição brasileira em 2021 pela Relicário Edições, Marguerite fala sobre seu processo de escrita, sobre a importância da solidão e, porque não dizer, de um teto todo seu, mas também revela o profundo teor psicológico de sua obra, mostrando que talvez escrever não seja uma forma de expurgar os demônios, mas sim, quem sabe dominá-los, colocando-os a serviço de quem escreve.
Autora

Monique Bonomini é de Poá/SP e tem graduação em Direito e História.
Atua como revisora e leitora crítica e dedica-se ao estudo do feminismo. Apaixonada por livros, mantém sua página no Instagram com impressões de leitura.
No Medium publica outros textos autorais. Publicou um desafio no livro Vida de Escritor, lançado pela Lura Editorial em 2021 e tem um conto na coletânea, Um conto de tudo, lançado em 2022 pela Têmpora Criativa.
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